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Foto do escritorTaís Fagundes

era uma vez, mais uma vez.

.__relatos da enchente por Taís Fagundes. De Canoas, Rio Grande do Sul.


A cada noite, enquanto seguro o quentinho da palma da mão do meu filho, conto histórias para ele dormir. Invento algumas. Repriso outras. E sigo repetindo o era uma vez. O que eu não poderia imaginar, nem no meu pior pesadelo, é que eu teria que costurar, dentro de mim, uma missiva com gosto amargo, dor no peito e luto. O dia veio e eu não pude cantar: "é o meu Rio Grande do Sul... céu, sol, sul... pois a terra não tinha mais cor. Tudo virou marrom. Virou água. Teve a ação da liquidez. Eu sigo e o meu cérebro insiste em dizer: "perdi tudo". Minhas memórias fotográficas de infância ficaram submersas em uma cena que me lembra Titanic, mas é bem real. Dentro e fora de mim. Ao mesmo passo, que digo para o meu racional, o que importa é a vida. E pra ela, só tenho a agradecer. Pais, filho, marido, cães, amigos e familiares: seguros. E esta palavra: segurança, nunca gritou desse jeito em mim. E agora, o que eu faço com tudo isso? Sigo andando. Finalmente entendi, aos quase 35, que levarei dessa vida o que eu tenho. Dentro de mim. A memória das minhas fotos andando de balanço, vou ter que acessar fechando os olhos. Enquanto conto o meu era uma vez mais uma vez.


tf.


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