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Foto do escritorTaís Fagundes

nunca mais deixei para depois.

.__quantas atividades cabem em um dia?

.__acordei cedo. entre prioridades: levantar, me arrumar e tomar café sem interrupção. não deu certo; deixei para depois. meu filho acordou. trocamos beijos estalados. nos demos até breve. voltei para casa. fiz café. comecei meu trabalho. eventos, viagens, agendas e vistos. prometi não deixar a burocracia me engolir. segui sorrindo. fui interrompida. levantei. bebi água. na playlist tocava ‘forever young de alphaville’. fiquei inquieta. não serei jovem eternamente e a falta de tempo estava a me incomodar; deixei para depois. conectei em várias ligações. resolvi tanta situação que pensei ‘posso governar o mundo – o meu pelo menos’. decidi não almoçar. fui ao banco fechar uma conta. na volta, passei no mercado. round 2. recebi um convite para palestrar; deixei para depois. encomendei comida fit. remarquei sessão na estética. agendei dentista. comprei pastilhas para garganta. poxa, esqueci do mamão. dei um afago nos meus dogs. recolhi as folhas secas do pátio. cheirei o alecrim. senti falta das minhas amigas. tsunami de tretas a resolver. peguei o hidratante de bala sete belo para lembrar da infância. da casa da minha vó e de como era bom tirar uma soneca à tarde. lavei as toalhas. dobrei as cobertas. borrifei aromatizador. liguei o robô aspirador. lavei a louça. marquei manicure. organizei roupas sobrepostas. peguei o calendário. olhei para as próximas semanas. deu uma leve canseira só de pensar; deixei para depois. fiz uma atividade aeróbica. tomei banho.  enfeitei a casa com coelhos. segui com a sensação de estar esquecendo algo. a barriga roncou. fui lembrada de comer; belisquei algo e a refeição maior deixei para depois. fui buscar meu filho. ele me recebeu com fervor. apontava para o céu e dizia ‘barro, barro’. ali, naquela fração de momento, me fez parar como quem aterrasse seus pés no solo. me fez analisar. me fez sorver a saliva. ele estava me fazendo enxergar. a perceber que o joão de barro fazia a morada dele em sua casa no poste de luz. eu, inteiramente, me fiz ficar ali. vivendo no instante. desde então nunca mais deixei para depois.


tf.

Taís Fagundes.

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